Quantos somos? Quem somos? São questões que já não sabemos responder. Enquanto os resultados dos Censos sobre o número de pessoas que utilizam a bicicleta nas suas deslocações tardam em chegar e a curiosidade aumenta, o facto é que somos cada vez mais.
Há seis anos, quando comecei a andar de bicicleta em Lisboa nas minhas deslocações, raras eram as vezes que me cruzava com outro ciclista. Quando tal acontecia, era inevitável uma troca de palavras: saber para onde ia, de onde vinha, se costumava andar de bicicleta ali pela estrada; ou se íamos em sentidos contrários: um “dling-dling” acompanhado de um sorriso. Conhecíamo-nos todos, pelo menos de vista. Nessa altura, e acompanhado da inauguração de mais troços de ciclovias, assistia-se a um “mini-boom” de bicicletas na cidade de Lisboa. Digo mini porque ainda assim não éramos muitos… mas notava-se que o número estava a aumentar.
A Bicicletada (também conhecida por Massa Crítica) começava a crescer, e a barreira dos quinze participantes mensais era ultrapassada. O passa-palavra entre amigos e colegas no local de trabalho ou faculdade foi talvez um dos mais importantes factores que impulsionou que houvesse mais bicicletas na cidade.
No Verão de 2009, mais bicicletas. Todos os programas políticos para as eleições autárquicas dessa altura não deixavam passar ao lado medidas de incentivo à utilização da bicicleta, o que era um bom indicador da sensibilidade para as questões da mobilidade em bicicleta. A rede ciclável tinha mais 40km de ciclovias, e foram criados mais 750 lugares de estacionamento para bicicletas, espalhados pela cidade.
Em Setembro do mesmo ano, no sexto aniversário da Massa Crítica, 180 pessoas encheram as ruas, muito felizes com a quantidade de pessoas que tinham aderido. Era uma questão de ’rezar’ para que estes não fossem apenas ciclistas de eventos ou de fim-de-semana, e passassem a ir para os seus trabalhos ou escola com este modo de transporte, dando-lhe mais visibilidade nas filas de automóveis parados no trânsito, que se ultrapassavam com boa disposição.
Em 2010, esse número passou para 250, e em 2011 para 450. Ultimamente, mesmo nos meses mais frios, a fasquia não tem descido abaixo dos 150 participantes – dez vezes mais do que nos seus primeiros anos.
Várias iniciativas contribuíram para um crescimento de utilizadores de bicicleta nos últimos tempos. As Bicicletadas passaram a existir em mais cidades e as Cicloficinas a serem mais frequentes. A MUBi foi criada de modo a dar uma certa formalidade às questões que vinham sendo discutidas informalmente em mailing-lists. Os transportes públicos começaram a dar resposta ao transporte de bicicletas. Começam a aparecer algumas lojas dedicadas a bicicletas urbanas, a par de novas publicações – quem se lembra d’A Jingla?
A Câmara Municipal de Lisboa também foi acompanhando esta nova tendência: o sistema de bicicletas de uso partilhado começou a ser pensado, mesmo ainda antes de surgirem noutras cidades europeias. Passaremos a ter um boom a sério quando este sistema for finalmente implementado, tal como aconteceu em Paris ou em Londres.
Hoje em dia, é quase inevitável o cruzamento com quatro ou cinco ciclistas num trajecto urbano. As caras já não são fáceis de fixar, como outrora. Desde 2009, o crescimento tem sido exponencial. Um inquérito feito recentemente a mais de mil pessoas mostrou que metade só começou a andar de bicicleta em Lisboa nos últimos três anos. Dados da PSP do Comando Metropolitano de Lisboa também indicam que o número de furtos (registados) de bicicletas mais do que duplicou entre 2007 e 2011, o que apesar de ser um mau sinal, é um bom sinal.
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Tendência do nº de utilizadores de bicicleta em Lisboa, com base num inquérito realizado a 1070 ciclistas [1]. |
Basta olhar para a cidade para constatar esse aumento. Vêm-se pessoas com bicicletas cruzamento sim, cruzamento não, vêm-se bicicletas amarradas a postes rua sim, rua não. Na rua vemos uns ciclistas e perguntamo-nos: quem são aquelas pessoas que, como nós, um dia também tiveram a coragem de sair de casa com a bicicleta?
Texto publicado na Revista B - Cultura da Bicicleta, em Março de 2012
[1] Rosa Félix (2012) Gestão da Mobilidade em Bicicleta - necessidades, factores de preferência e ferramentas de suporte ao planeamento e gestão de redes. O caso de Lisboa. Dissertação de Mestrado, Instituto Superior Técnico - Universidade Técnica de Lisboa, Portugal.