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14 fevereiro 2013

Manhã em Lisboa


"There is a pleasure in the pathless woods", escreveu Lord Byron, enlevado pela comunhão mística com a natureza que o rodeava. A manhã que, generosamente, semeia no meu íntimo as letras que ecoam e teimam em passar ao papel é, ao contrário da de Byron, uma manhã citadina.

Há um prazer indescritível nas primeiras horas da manhã em Lisboa. Caminho com um passo a um tempo decidido e descontraído pelas ruas e vielas que hão-de confluir no Tejo amplo e acolhedor. Os raios de sol brincam como se de crianças rindo se tratassem, escolhendo iluminar uns recantos, deixando outros no frescor da sombra, apenas para, logo a seguir, fazerem o contrário, num paroxismo que enche as retinas de quem as decidir abrir, despudoradamente, aos estímulos exteriores.

Os odores, alternando entre o acre dos becos e vãos de escada bafientos e o da fruta, que provém das vetustas mercearias de bairro, de portas recém-abertas, motivam o quase involuntário inspirar fundo, como se, através dessa golfada de ar perfumado, fôssemos transportados para a pastoral Lisboa de outras eras.

Ao longe o castelo, no caminho sempre descendente ao fundo das ruas, ou ao fundo de nós mesmos, percorrido desde tempos antes do tempo. Guardadas como um tesouro sem preço na memória perene das pedras da calçada, as vidas de quantos num momento ou noutro as calcorrearam. Cruzo-me com gente de diversas cores e cheiros; existências que têm em comum esta cidade, este locus amoenus que a todos acolhe no seu amplexo.

Detenho o olhar na baixa amada de Pessoa, imaginando avistar Bernardo Soares, sentado, à janela do seu quarto, no homónimo andar, decerto saboreando, meditando, escrevendo sobre essa esta Lisboa amada, decerto experimentando na mente a um tempo em jejum e enfartada, mas nunca saciada, o sabor agridoce dos amores incondicionais."

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