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13 maio 2013

As obras coercivas

As dificuldades que a Câmara tem em intervir na reabilitação urbana, prédios devolutos, etc. prendem-se com 3 factores:

À cabeça, claro, as questões financeiras.

O próprio regime criado pelo Governo de Durão Barroso em 2004, da criação de Sociedades de Reabilitação Urbana, tem inúmeras virtudes que esbarram no eterno problema da falta de financiamento para tomar posse administrativa dos prédios, indemnizar proprietários, realojar eventuais moradores, fazer projecto e obra.

Claro que, depois de um prédio ou quarteirão reabilitado, podem vir retornos financeiros importantes para os municípios, directa ou indirectamente... mas face à escassez de verbas do poder local, face a necessidades urgentes de curto e médio prazo que estão sempre a bater à porta dos autarcas e tendo em conta a necessidade de "apresentar obra" antes das eleições, estes investimentos que podem demorar anos a ter retorno são sempre pretidos.


Há também a questão da Lei que protege de forma excessiva os proprietários.

O tal regime associado às SRUs é uma tentativa de criar mecanismos mais céleres de notificação e tomada de posse.. Ainda assim, envolve prazos e mais prazos, recurso a tribunais, etc.

A Lei dá muitas garantias aos proprietários, sem lhes imputar as respectivas responsabilidades sociais que deveriam advir precisamente do facto de terem propriedades, numa cidade que é essencialmente uma construção, um projecto e um investimento de todos.

Ainda há pouco tempo, por exemplo, foram rapidamente mobilizados a um fim de semana recursos que são de todos e pagos por todos nós - a polícia - para desocupar um edifício que estava devoluto há anos, sem projectos para o futuro, sujo e a degradar-se de dia para dia, e que vai continuar assim, após se ter expulso de lá o colectivo de cidadãos que se propunha, limpa-lo, mantê-lo e utiliza-lo como espaço de iniciativas culturais. Que racionalidade há nisto?


Finalmente há o problema da vontade política.

À questão que já referi, no 1º ponto - os autarcas preferem dar prioridade aos dossiers que possam estar concluídos no prazo do seu mandato -  somam-se outras de ordem mais política ou mesmo ideológica.

Manuel Salgado, por exemplo, responsável por esta pasta na CML, está convencido que «a câmara não se pode substituir aos proprietários privados». Que é como quem diz, "apesar de ter sido eleito numa lista de um partido chamado Socialista, acredito que a intervenção centralizada do estado pouco pode contribuir e têm de ser os privados e os mercados a dinamizarem a reabilitação da cidade".

Essa visão essencialmente liberal para a resolução dos problemas da nossa soCIaDADE é hegemónica entre as elites - Vereadores, assessores, dirigentes da Administração Pública - que governam a cidade. 

É por isso que esta notícia causa alguma preplexidade: Manuel Salgado anuncia que vai gastar 10 milhões em obras coercivas.

Bem... poderemos dizer que é um montante relativamente pequeno para as necessidades da cidade, mas sobretudo parece que apareceu agora uma mudança de paradigma - que é de saudar - na forma como a CML está a encarar este cancro dos prédios abandonados. 

Será só propaganda a poucos meses de eleições? Será uma alteração política mais profunda?   

 

3 comentários:

  1. As razões listadas são, de facto, questões relevantes.

    Nao deixa de ser irónico que a CML queira fazer obras coercivas quando tem tanto património e nem sempre tem tratado bem dele, sendo que se tem tentado inverter isso.

    As experiencia obras coercivas (no tempo Santana Lopes) foi algo traumática e sinceramente nao sei se este será um bom caminho agora, mas depende dos critérios (quais sao?) e as prioridades da CML para utilizar este recurso. é bem lembrado que este mesmo vereador já criticou duramente as obras coercivas dos executvos anteriores, assim resta saber qual é a ideia para 2013-2017.

    As mudanças na lei do arrendamento (para bem e para mal), mais os agravamentos do IMI e outras medidas, podem mudar a (in)acção dos proprietários, no que toca a obras.

    Este instrumento é positivo, mas tem muitas condicionantes, nomeadamente em termos da sua execução (e o tempo)

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  2. E estes 10 milhões não poderão funcionar como uma ameaça para os proprietários que optam por deixar os edifícios a cair?

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  3. Sim, pode. Resta saber qual a prioridade/por onde começar

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